Abaixo um texto da autoria de Kristin Neff sobre o EU compassivo. Nosso "eu" é limitado, e não resolvemos um problema no mesmo nível do problema, ou uma outra forma de dizer, é que a parte não consegue ver o Todo, mas o Todo sim vê todas as partes. É a transferência para esse EU que possibilita olhar e acolher o eu, é o Refúgio Verdadeiro. E essa é uma compreensão importante no processo da autocompaixão.
Mas também é importante perceber que não há separação/dualidade, que esse eu se integra ao EU. Que o EU sendo o Todo, é também as partes. Só parece haver dualidade do ponto de vista do eu, não do EU.
E é importante compreender esse nível metafísico, esse senso de conexão, de espiritualidade (independente da crença que se tenha). Lembrando que o ensinamento compassivo nasce na religião. Mas para quem não tenha nenhuma crença, a ciência também traz esse conceito semelhante na função do neocórtex, do circuito de cuidados e da integração do cérebro triúno (ou trino).
Milene C.S.
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"Às vezes, quando praticamos a autocompaixão, surge a pergunta: quem está dando compaixão a quem? O eu que está dando compaixão é o mesmo eu que está recebendo compaixão? Ou uma parte de mim que não está sofrendo está dando compaixão a outra parte que está sofrendo? E quando praticamos a autocompaixão, estamos reificando um senso de eu separado de uma forma que, na verdade, causa mais sofrimento, como alguns de uma perspectiva budista argumentariam? Estamos reforçando nosso ego? Todas essas são ótimas perguntas, e acredito que indagar sobre quem ou o que é essa coisa chamada eu é a chave para reduzir nosso sofrimento e encontrar a liberdade.
Quando criei meu modelo de três componentes de autocompaixão, que inclui atenção plena, gentileza e humanidade comum, quis chamar o componente da humanidade comum de "Interser", termo usado por Thich Nhat Hahn para o fato de que somos fundamentalmente interconectados e que não existe um eu individual separável do todo maior. Escolhi usar o termo humanidade comum porque era mais compreensível, mas ele realmente aponta para algo mais profundo do que isso. Embora não haja necessidade de ser muito conceitual sobre isso, acho útil pensar no "Eu" que está dando compaixão como algo maior do que o "eu" que está sofrendo e recebendo compaixão. Você pode pensar no "Eu" como seu eu superior, seu eu espiritual, consciência universal, consciência desperta ou até mesmo Deus, se isso ressoar com você. Se você tem uma mentalidade científica, pode pensar nele como nosso sistema evoluído de cuidado mamífero. O pequeno "eu" que está recebendo compaixão sofre em parte devido à ilusão de que estamos separados dos outros, isolados, limitados e desconectados. Quando nos damos compaixão, o que acontece é que estamos mudando nossa identidade do eu limitado para o Eu maior e ilimitado, cuja capacidade de compaixão é infinita.
Algumas pessoas sentem que não conseguem ter compaixão por si mesmas, que estão muito magoadas ou que não são dignas. Mas se reformularmos a autocompaixão como um contato com algo muito maior do que o nosso pequeno eu, permitindo que nossos pensamentos, sentimentos e percepções interiores sejam sustentados pela consciência amorosa do Eu, então quem é que "não consegue" fazê-lo?"