Renúncia a ser Autocompassivo?
Renúncia a ser Autocompassivo?
Por Milene C. Siqueira
Uma das coisas mais complicadas no assunto da autocompaixão, principalmente para nós ocidentais é sobre uma divergência compassiva…
Ao nos aprofundarmos em trabalhos terapêuticos encontramos partes nossas carregando fardos e mais fardos de culpas. Temos culpas enormes em seguir nossa vontade, em seguir nossos direitos, em fazer escolhas que nos beneficiaram, em ser generosos conosco. Direito a estar bem, a ser feliz, a merecer, a existir, a ser...
São muitos séculos onde a mulher está constantemente servindo, mantendo e assegurando que os demais estejam bem, não só fisicamente, mas principalmente emocionalmente. É muito fácil que a gente escorregue, caia, se afogue e fique por lá nas águas sofridas da culpa coletiva. Paralelamente há uma aura nobre na renúncia ou no sacrifício do corpo, da alma… há um sentido de ser especial… tal qual uma santidade… porém tem um ego às avessas que mora ai também!
Todos sabemos que não é fácil, por exemplo, seguir uma vontade diferente dos valores de uma família, ou da de um ente muito querido, ou de uma norma pré-estabelecida pela cultura. Sentimos que ir contra é como ferir alguém, magoar. Isso não somente nos excluiria da sua consideração e afeto (e por vezes sobrevivência!), como nos faz parecer uma pessoa má. Ou melhor, a crença em ser má e toda ideologia do pecado pode nos conduzir a sentir e agir dessa forma.
Afinal… são tantas falas religiosas e ideológicas sobre se fazer o bem…
Mas o que é o bem, o que é o mal? Existe uma divisão tão determinada assim? O exemplo de uma ajuda mesmo, nem sempre resulta bem. Na maioria dos casos foi a cultura que pré-determinou que algo é bom ou ruim por ser de uma ou outra forma. Aliás podemos comprovar isso facilmente até pensando em hábitos diferentes em cada cultura, região do mundo, ou em épocas diferentes onde o tempo passa e valores se transformam.
Pause um pouco para refletir como você se sente agora… Vivendo próxima do seu potencial criativo? Prazer no que você faz? Vivendo com direito à integridade? Ou vivendo nas aparências e fixações?
E quando então nos deparamos com esses muros de valores e vontades, parecendo ir à favor de um aspecto “compassivo” ou mesmo “piedoso” em detrimento de ser autocompassivo, ou seja, de estar com seu próprio sofrimento, pode então parecer que compaixão e autocompaixão se tornariam antagônicas.
Como se houvesse duas opções somente, ir em frente a qualquer custo ou renunciar à nós mesmos, ao que sentimos. Podemos nos ver na balança de pender para qual sofrimento contemplar… Ou em alguns momentos isso até acontece, pode parecer algo bastante urgente a ser atendido, sem condições de investigações do que seja os sofrimentos em questão. Na verdade nem é o fato em si, mas como o trataremos longe dessas observações… o jogo da culpa, do auto flagelo, sentir-se egoísta, ou o corpo pagando por mais um sequestro de mais uma alma feminina…
Estar dividida é estar em dívida.
Mas seria esse muro mesmo tão sólido? Uma escolha ou uma lucidez?
E parênteses para esse tal de “nós mesmos”, o que contém ai dentro quando assim nos referimos? Porque há uma camada enorme também de vontades, caprichos e ilusões, que achamos ser nosso e também não é… isso também precisa ser investigado: estamos falando de quais tipos de desejos?
Mas… voltando aqui para a renúncia ou não, na verdade não seria bem uma “escolha” em seguir de um jeito ou de outro, por um ou outro caminho, mas sim de lucidez, de poder se separar das ilusões.
E a resposta está na própria compaixão.
Compaixão é manter visão dupla. Tanto a visão que reconhece as condições humanas, o ser relativo, o seu sofrimento e ao mesmo tempo reconhece sua potencialidade inata, sua natureza aberta e absoluta.
Então quando apenas estamos presos dentro das normas que o outro tomou para si, suas motivações, sua moralidade, seus preconceitos e fixações, também fazemos essa escolha em mantê-las aprisionadas. Deixamos de olhar com abertura, para esse espaço ilimitado do ser que verdadeiramente somos. E nós igualmente nos prendemos quando prendemos o outro dentro dessa visão.
Olhar para o aspecto relativo é considerar o sofrimento, aflições, percursos e percalços do humano. Olhar para o aspecto livre do ser é confiar em sua potencialidade, liberdade e generosidade inerente.
E não existe uma diferença real entre compaixão e autocompaixão, no fundo elas são a mesma e se retroalimentam.
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